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BRS Pai d’Égua: açaí com mais sabor e qualidade o ano todo

Testado em comércios do Pará, onde se vende e consome bastante açaí, nova variedade da fruta foi aprovada por público graças à excelente qualidade, polpa mais densa, cor e sabor delicioso

Batizada de BRS Pai d’Égua, a nova cultivar irrigada de terra-firme de açaizeiro, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), garantirá a produção de açaí o ano todo, no Estado do Pará e para todo o Brasil. A variedade (Euterpe oleracea) atende às principais demandas dessa cadeia produtiva: a produção na entressafra e frutos menores, que facilitam o processamento e rendem mais, características que agradam ao produtor e ao mercado.

De acordo com a estatal, um dos maiores diferenciais da BRS Pai d’Égua é a distribuição bem equilibrada da produção anual, considerando que produz 46% no período da entressafra (de janeiro a junho) e 54% na safra (de julho a dezembro).


BRS Pai d’Égua tem frutos menores, que rendem 30% mais polpa que os materiais tradicionais. Foto: Ronaldo Rosa/Divulgação Embrapa

Conforme a Embrapa, trata-se de uma forte vantagem para o produtor, pois a redução da oferta de açaí na entressafra faz o seu preço aumentar, além de provocar demanda reprimida nesse período.

Outro ponto interessante é que esse açaizeiro obtém maior produtividade, podendo chegar a 12 toneladas ao ano por hectare, enquanto o açaí manejado de várzea e o cultivado em terra-firme sem irrigação produzem aproximadamente cinco toneladas anuais por hectare.

Mais uma vantagem: seus frutos menores rendem 30% mais polpa que os materiais tradicionais. Destaca-se também a produção precoce: a primeira colheita se dá aos três anos e meio, enquanto os materiais tradicionais iniciam no quinto ano. Portanto, ele traz retorno financeiro mais rápido ao agricultor.

Mercado bilionário

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) destacam que o Estado do Pará produziu, só no ano passado, 1,4 milhão de toneladas da fruta, em uma área de quase 200 mil hectares. Esse total envolve o manejo de áreas de várzea e os plantios de terra-firme. Somente na economia paraense, o produto movimentou algo em torno de R$ 3 bilhões, em 2018.

“A demanda pelo fruto, que é rico em antocianinas e tem alto valor energético, é enorme e a produção precisa aumentar”, afirma o engenheiro agrônomo João Tomé de Farias Neto, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental.

Conforme o Sindicado das Indústrias de Frutas e Derivados do Estado do Pará (Sindfrutas), o Estado fica com cerca de 60% de todo o açaí que produz; 35% vão para outras regiões do País, principalmente a Sudeste; e 5% vão para o exterior. Os Estados Unidos são o principal destino internacional da fruta.

Terra-firme

Mestre e doutor em Agronomia, Farias Neto ressalta que, para ampliar a produção dessa palmeira nativa das áreas de várzea, pesquisadores vêm trabalhando há mais de 20 anos.

Ele diz ainda que, além do manejo de açaizais nativos, estender a produção às áreas de terra-firme foi a alternativa encontrada para aumentar o fornecimento desse fruto ao mercado.


Para ampliar a produção da palmeira nativa das áreas de várzea, pesquisadores vêm trabalhando há mais de 20 anos, relata o engenheiro agrônomo João Tomé de Farias Neto. Foto: Ronaldo Rosa//Divulgação Embrapa

Em 2005, a Embrapa lançou a primeira cultivar de açaizeiro para terra-firme do mundo: a BRS Pará, responsável por ampliar o cultivo do açaizeiro no Pará e em outros Estados brasileiros.

“Para a nova cultivar, a BRS Pai d’Égua, precisávamos ir além e resolver um dos principais gargalos dessa cadeia produtiva: a sazonalidade”, conta o engenheiro agrônomo.

Cerca de 90% do açaí comercializado no Pará é produzido durante o período da safra, entre os meses de julho e dezembro.

Produção na entressafra

Farias Neto conta que a primeira etapa do desenvolvimento da cultivar, portanto, foi coletar material genético – sementes – em locais onde a produção das palmeiras concentrava-se em período diferente da maior parte do Estado.

Dois municípios, localizados no arquipélago do Marajó, se destacaram: Afuá e Chaves. “Nesses locais, principalmente em Afuá, a produção dos frutos está concentrada nos meses de janeiro a junho”, relata o cientista.

A hipótese do pesquisador é que a geografia do município favoreça a “safra diferente”. “Afuá é semelhante a uma bacia. Nos meses de chuva, janeiro, fevereiro e março, a bacia enche. Com a diminuição das chuvas, em maio, junho e julho, ela tende a esvaziar”, conta.

“É a diminuição da água, o estresse hídrico, que induz o açaizeiro a florescer. “Isso é uma característica das espécies da nossa região”, complementa.

Por causa disso, a partir de julho, agosto e setembro, o açaizeiro lança suas flores e o ciclo natural é que, após seis meses do período de inflorescência, comece o período de colheita dos frutos, coincidindo com a entressafra em todo o Estado.

Outra característica importante que a pesquisa buscou foi o tamanho do fruto, levando em conta que o mercado de processamento do açaí no Estado já sinalizava que frutos menores rendem mais.

“É uma questão matemática. Se considerarmos uma lata que tem perto de 15 quilos de frutos pequenos, temos maior quantidade de frutos. De tal forma que se somarmos a área de processamento de cada fruto pequeno teremos maior quantidade de suco por unidade de comercialização”, avalia Farias Neto.


Nova cultivar irrigada de terra-firme de açaizeiro, BRS Pai d’Égua pode ser produzido na entressafra. Foto: Divulgação Embrapa

Safras com irrigação

As 80 plantas coletadas nos municípios de Afuá e Chaves, portanto, apresentavam essas duas características principais: produção na entressafra e frutos menores. O passo seguinte foi o estabelecimento de um plantio no campo experimental da Embrapa Amazônia Oriental em Tomé-Açu, no nordeste paraense.

No experimento, foram feitas cinco avaliações de safras com irrigação para que o local pudesse reproduzir o movimento hídrico da “bacia” do município de Afuá. Nesse período, o especialista avaliou a época de produção, o tamanho de frutos e a produtividade das palmeiras.

Farias Neto explica ainda que duas seleções sucederam os cinco anos de avaliação das safras: na primeira, foram selecionadas 45 plantas; e na segunda, 18 indivíduos.

“Eliminamos as plantas inferiores e deixamos as melhores. A partir do cruzamento delas, isso porque o açaizeiro é uma espécie alógama, na qual naturalmente os insetos fazem o cruzamento entre as plantas, obtivemos a nova cultivar”, explica.

O desempenho da BRS Pai d’Égua surpreendeu tanto a equipe de pesquisa quanto o próprio mercado.

Teste com mercado consumidor

O empresário Márcio Coelho da Veiga, que possui uma unidade de processamento de açaí no município de Tomé-Açu (PA), trabalha como “batedor” de açaí desde 2001, ofício que aprendeu com o pai, um dos pioneiros da região. Seu ponto de venda de açaí batido começou a funcionar em 1986.

Durante alguns anos, ele atuou como consultor da pesquisa para avaliar o desempenho da BRS Pai d’Égua nas unidades de processamento da polpa.

“O rendimento dessa variedade foi surpreendente. Uma caixa de 30 quilos do açaí comum rendia em média de dez a 12 litros de polpa. Com esse açaí a gente chegou a 15 litros”, relata o comerciante.

A surpresa de Veiga não girou somente em torno do rendimento da polpa. A consistência, a cor e o sabor também impressionaram. “Qualquer batedor percebe imediatamente que a polpa desse açaí é mais espessa e cremosa”, diz.

Para o empresário, oferecer um açaí de qualidade na entressafra está entre as principais vantagens da nova cultivar: “É na entressafra que tanto os produtores quanto os processadores conseguem lucrar com a atividade”.


Açaí desenvolvido pela Embrapa tem excelente qualidade, polpa mais densa, cor e sabor. Foto: Vinícius Braga/Divulgação Embrapa

Na região de Tomé-Açu, ele conta que uma caixa de 30 quilos de frutos custa 50 reais na safra. Na entressafra, a mesma caixa chega a 115 reais.

Há 14 anos, Nazareno Alves trabalha com o processamento de açaí, em Belém (PA), e hoje possui uma cadeia de restaurantes na qual comercializa o produto. Ele também planta açaí irrigado em terra-firme, no município de Igarapé-Açu, no Nordeste do Pará.

Atualmente, mais que um comerciante e produtor, Alves é um defensor do açaí: “Eu vendo açaí e sou apaixonado por esse fruto. Consumo todos os dias”, conta ele, ressaltando que a qualidade do açaí da entressafra é muito inferior, por causa do transporte da frutoa que vem de áreas mais distantes, como os municípios de Afuá e Chaves.

Em seu restaurante, o empresário também experimentou a BRS Pai d’Égua, ficando entusiasmado com o resultado: “Esse açaí da Embrapa tem excelente qualidade, polpa mais densa, cor e sabor. O cliente, que está acostumado a beber o açaí, percebe imediatamente a diferença”.

Custo de produção


Implantação de um hectare de açaizeiro irrigado em terra-firme custa em torno de R$ 11 mil. Foto: Ronaldo Rosa/Divulgação Embrapa

O custo total de implantação de um hectare de açaizeiro irrigado em terra-firme, considerando a estrutura de viveiros, maquinário, encargos sociais, sistema de irrigação, operações mecanizadas e manuais, sementes, entre outros itens, gira em em torno de R$ 11 mil.

Mestre e doutor em Economia Rural e pesquisador da Embrapa, o agrônomo Alfredo Kingo Oyama Homma, informa que esse cálculo se baseia em um plantio de 16 hectares, localizado no município de Igarapé-Açu. O espaçamento adotado foi de cinco por cinco metros, totalizando 400 touceiras, com três a quatro estipes por touceira.

Nos materiais tradicionalmente utilizados no campo, a colheita comercial se inicia a partir do quinto ano, mas é somente a partir do nono ano de cultivo que o produtor começa a obter lucro com a atividade.

“Nesse ponto, ele pagou os custos iniciais de implantação e manutenção do cultivo e o custo do capital até aquele período”, explica o pesquisador.

Como a cultivar BRS Pai d’Égua inicia a frutificação aos três anos e meio, a estimativa é que esse retorno financeiro seja antecipado ao produtor.

“Pelo alto investimento inicial, o açaizeiro irrigado é recomendado para médios e grandes produtores”, explica Homma.

Ele, no entanto, não descarta o plantio irrigado para pequenos produtores que podem improvisar sistemas de irrigação com menores custos, aproveitando margens de igarapés, cursos de água ou de açudes, entre outros.

A revanche do açaí


Antropólogo conta que o açaí, antigamente, era visto com comida detestável, de negros, de índios e periféricos. Foto: Ronaldo Rosa/Divulgação Embrapa

“Chegou ao Pará, parou. Tomou açaí, ficou”, diz um ditado regional. Mas nem sempre foi assim.

Segundo o antropólogo Romero Ximenes Ponte, professor da Universidade Federal do Pará, durante o século 19, quando a província do Grão-Pará foi anexada ao Brasil, o estigma dessa região era “chegou ao Pará, parou: seja no hospital ou no cemitério, era um lugar de pragas e endemias”, conta.

Conforme o professor, a reação do nativo, que àquela época estava autoconstituindo sua identidade, foi negar o lugar epidêmico e doentio. “Foi dizer que aqui não era o lugar da doença e sim o lugar da comida magnífica, que quem prova jamais esquece, fica fisgado”, conta.

Ximenes estuda a relação da alimentação com a identidade e a cultura amazônicas, e como ela se estabelece como elemento fundamental de ambas. Um dos principais objetos de seu trabalho é o açaí.

“Ele é uma espécie de rizoma social, um elemento que conecta com todos os níveis da vida cotidiana. O açaí é desde aterro de rua a identidade; de alimento a combustível na casa de farinha; de adubo na agricultura até a cor do manto da Santa; cor de gente, morena açaí”, relata o antropólogo.

“Os registros sobre o açaí, no começo do século 20, eram de uma comida detestável, comida de negros, de índios e periféricos. Era encontrado somente nos lugares mal frequentados da cidade”, relata o antropólogo.

Na avaliação de Ximenes, houve, portanto, “a revanche do açaí”: “Ele é um alimento de excelência do ponto de vista da medicina, da nutrição e um grande trunfo na economia. É o nosso produto com mais fácil trânsito no mercado internacional”.

Entenda a expressão ‘pai d’égua’


Antropólogo conta que o açaí, antigamente, era visto com comida detestável, de negros, de índios e periféricos. Foto: Ronaldo Rosa/Divulgação Embrapa

Muito utilizada no Norte do Brasil, especialmente no Estado do Pará, fazendo parte da identidade cultural da região, a expressão “pai d’égua” se refere a algo excelente, fantástico, muito bom.

“O açaí por si só já é algo muito importante para o povo paraense, não somente por ser a base da alimentação, mas também por ser um dos principais produtos da economia do estado”, conta o agrônomo João Tome de Farias Neto, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental.

O especialista em Língua Portuguesa Roberto Fadel relata que não há registros sobre a origem etimológica dessa expressão, porém, sua origem cultural é a Ilha do Marajó. Ele conta que, naquela região, os vaqueiros selecionavam os reprodutores mansos para gerarem éguas dóceis, mais apropriadas para o trabalho.

“Esses reprodutores eram os ‘pais das éguas’, considerados dóceis, mansos e, consequentemente, geravam animais (éguas) com as mesmas características e apropriadas para o trabalho”, relata. “A expressão popularizou-se e tornou-se sinônimo de algo ou alguém muito bom, muito legal, excelente”, explica o especialista.

“O ‘pai d’égua’ é a nossa excelência”, declara o antropólogo Romero Ximenes, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ele considera muito positivo que a ciência seja sensível aos linguajares regionais. O nome do açaí Pai d’Égua é “uma homenagem à linguagem dos índios e caboclos da Amazônia”, considera o antropólogo.

Fonte: A Lavoura